O texto da
reforma, entretanto, precisa ser interpretado à luz da Constituição e dos
tratados internacionais. O Direito não é igual à lei. Na aplicação do Direito,
desde que provocado pelos advogados ou pelo Ministério Público, o Juiz precisa
compatibilizar a lei com a Constituição, com as convenções internacionais e com
os princípios tutelares, no caso do Direito do Trabalho.
Antônio Augusto
de Queiroz*
A chamada
“Reforma Trabalhista”, materializada pela Lei 13.467/17, com vigência a partir
de 11 de novembro de 2017, representa a mais profunda e abrangente alteração na
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, desde sua promulgação em 1943, com
mudanças que atingem as três fontes do Direito do Trabalho: a lei, a sentença
normativa da Justiça do Trabalho e a negociação coletiva.
A lei, proposta originalmente para modificar apenas
13 itens da CLT, foi ampliada no Congresso com o nítido propósito de reduzir custos
do empregador, ampliar o lucro e a competitividade das empresas¸ além de
dificultar o acesso ao Judiciário trabalhista e anular a jurisprudência
consolida pelo Tribunal Superior do Trabalho.
O escopo da reforma é abrangente e inclui, entre
outros, os seguintes aspectos:
1) flexibilização de direitos trabalhistas previstos legalmente, resguardados
apenas os que estão escritos na Constituição Federal;
2) ampliação das possibilidades de terceirização e pejotização;
3) criação de novas formas de contratação, especialmente o autônomo exclusivo e
o intermitente;
4) restrições de acesso à Justiça do Trabalho;
5) retirada de poderes, atribuições e prerrogativas das entidades sindicais;
6) universalização da negociação coletiva sem o
limite ou a proteção da lei; e
7) autorização de negociação direta entre patrões e empregados para redução ou
supressão de direitos.
Todos estes pontos, apresentados sob o argumento de
“modernização das relações de trabalho”, já constavam de documentos de
entidades patronais e de proposições de iniciativa da bancada empresarial, em
tramitação no Congresso. O relator apenas sistematizou tudo isso.
A narrativa de sustentação da “reforma” escamoteia
seus reais objetivos. Ela foi aprovada sob a retórica de segurança jurídica e
de modernização das relações de trabalho, mas seu verdadeiro alvo é o desmonte
do Direito e da Justiça do Trabalho no Brasil. A investida foi tão radical, que
seus próprios autores admitem rever alguns exageros, entre os quais:
1) trabalho intermitente;
2) jornada 12x36;
3) representação no local de trabalho;
4) trabalho insalubre da gestante e lactante;
5) insalubridade e negociação coletiva;
6) dano extrapatrimonial; e
7) autônomo exclusivo.
A “Reforma Trabalhista" do governo Temer,
portanto, cria as condições para a redução de direitos ou a precarização das
relações de trabalho, porque:
1) retira da legislação trabalhista o caráter de norma de ordem pública e
caráter irrenunciável;
2) institucionaliza a prevalência do negociado sobre o legislado;
3) autoriza a terceirização na atividade-fim das empresas; e
4) permite a contratação de “serviços” em lugar da contratação de empregados,
pejotizando as relações de trabalho.
A lei faz uma radical mudança de paradigma ao
substituir o direito do trabalho, que tem caráter protetivo, pelo direito
civil, que parte do pressuposto de igualdade das partes.
O Direito
do Trabalho tem caráter protetivo, e atribui ao
trabalhador a condição de hipossuficiente (parte mais fraca) na relação com o
empregador e, com base nesse princípio, considera nulo de pleno direito
qualquer acordo que, direta ou indiretamente, resulte em prejuízo ao empregado,
sob o fundamento de que houve coação.
O Direito
Civil parte do pressuposto de igualdade das partes. Se
pessoas ou instituições fizerem um acordo, desde que os subscritores estejam em
pleno uso de suas faculdades mentais, esse acordo tem força de lei e vale para
todos os fins legais, só podendo ser anulado por dolo, fraude ou
irregularidade.
O texto da reforma, entretanto, precisa ser
interpretado à luz da Constituição e dos tratados internacionais. O Direito não
é igual à lei. Na aplicação do Direito, desde que provocado pelos advogados ou
pelo Ministério Público, o Juiz precisa compatibilizar a lei com a
Constituição, com as convenções internacionais e com os princípios tutelares,
no caso do Direito do Trabalho.
Para esclarecer o significado da lei, na
perspectiva dos trabalhadores e dos sindicatos laborais, o DIAPelaborou a cartilha "Reforma
Trabalhista e seus reflexos sobre os trabalhadores e suas entidades
representativas", sob a forma de perguntas e respostas.
(*) Jornalista,
analista político e diretor de Documentação do Diap