Contrariando argumento usado pelo governo para reforma previdenciária.
Cálculo dos críticos usa dados de 2015 e é questionado por economistas.
No ano passado, segundo dados do Ministério da
Fazenda, a Previdência registrou um déficit de R$ 149,73 bilhões, equivalente a
2,4% do PIB.
Os argumentos que refutam a ideia de déficit não
chegam a afirmar que a Previdência em si não é deficitária, mas apontam que ela
não deve ser olhada de forma isolada, somente com base no que é arrecadado e
gasto. Cinco pontos são usados para demonstrar a ausência de déficit:
Seguridade Social
Os críticos defendem que o orçamento da Previdência tem que ser analisado
levando em conta toda a Seguridade Social, o sistema que engloba os recursos da
área da saúde, de assistência social, além das aposentadorias e pensões.
Segundo a Constituição, a Previdência é um dos braços da Seguridade.
Isoladamente, os recursos da Previdência são levantados por meio da
contribuição de trabalhadores e empresas.
Quando considerada toda a Seguridade, as despesas
são muito maiores que as da Previdência, já que englobam gastos com o SUS e o
Bolsa Família, por exemplo. Só que a fonte dos recursos também é mais ampla,
incluindo CSLL (Contribuição Sobre Lucro Líquido), Cofins (Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social) e PIS/Pasep. O buraco do regime geral da Previdência
poderia, portanto, ser tapado com os recursos de outras contribuições da
Seguridade, argumenta a Anfip.
O problema dessa interpretação também é que o
governo divulgou que a totalidade da Seguridade Social já é deficitária. Em
2016, as receitas somaram R$ 613,2 bilhões, mas os gastos totalizaram R$ 871,8
bilhões, resultando num rombo de 258,7 bilhões de reais.
Cálculo e ausência de servidores
Para contornar o problema do déficit da Seguridade e ao mesmo tempo demonstrar
que ao ser incluída ali a Previdência tem superávit, a Anfip exclui os gastos
com aposentadorias do Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), que engloba
servidores públicos civis e militares.
Segundo Vilson Romero, presidente da Anfip, é
correto excluir os servidores do cálculo geral já que o regime deles é
diferente e a Constituição não prevê que a aposentadoria deles seja custeada
pelas várias fontes de renda da Seguridade. "Não concordamos com a
inserção tanto dos civis quanto dos militares. O que o governo faz é uma
pedalada", afirma.
Renúncias previdenciárias
A Anfip também afirma que parte do déficit isolado da Previdência é causada por
uma série de renúncias fiscais – benefícios concedidos a empresas e fundações
que permitem que elas deixem de pagar contribuições previdenciárias.
O total de renúncias fez com que o governo deixasse
de arrecadar R$ 43,4 bilhões em 2016. Metade foi concedida ao Simples Nacional,
regime tributário diferenciado, beneficiando micro e pequenas empresas.
Desvinculação de Receitas da União
Os críticos da tese do déficit também apontam como vilã a Desvinculação de
Receitas da União (DRU), mecanismo criado em 1994 que permite ao governo
federal mais mobilidade nos gastos com os impostos arrecadados.
Hoje, até 30% dos recursos da Seguridade Social
podem ser repassados ao orçamento fiscal, permitindo ao governo alcançar a meta
do superávit primário. Segundo os críticos, se o governo não tomasse parte do
dinheiro da Seguridade para pagar juros da dívida, haveria mais recursos para
transferir para a Previdência.
Dívidas
Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o total devido à
Previdência pelos 500 maiores devedores – entre eles empresas, fundações e
governos estaduais e municipais – alcançou R$ 426 bilhões em 2016. Críticos da
reforma da Previdência apontam que esse total seria suficiente para tapar três
vezes o rombo registrado no ano passado.
A própria PGFN não acredita que será possível recuperar uma fatia significativa
desse total. No ano passado, só 4 bilhões de reais em dívidas foram
recuperados, menos de 1% do total devido.
Conclusão
Mesmo admitindo que a Previdência deve ser vista num quadro maior – no qual há
mais recursos, os servidores são excluídos e não há isenções ou DRU –, a conta
ainda fecharia no vermelho. Aplicando-se essa fórmula, a Seguridade ainda
registraria um prejuízo de pelo menos R$ 44 bilhões em 2016, se levados em
conta os números divulgados pelo governo.
Num cenário otimista, se as dívidas previdenciárias
pudessem ser todas cobradas, elas poderiam ajudar a cobrir esse rombo pelos
próximos anos, mas o déficit teria que permanecer estável. De 2015 para 2016, o
rombo da Seguridade aumentou 55%.
Romero, da Anfip, aponta que ainda é preciso
confirmar independentemente a validade dos números de 2016 divulgados pelo
governo. Ele admite, no entanto, que é possível que os números do ano passado
não fechem no azul como no cálculo de 2015, mas que isso não invalida a tese de
que as contas precisam de mais transparência.
"O governo tenta empurrar a reforma sem
explicar os números. É claro que é preciso fazer ajustes devido à demografia,
mas também é preciso entender outros fatores que pressionam a Seguridade. Nem
tudo é pagamento de aposentadoria. As renúncias e a DRU têm que acabar, por
exemplo".