Um fim do emprego feito não por meio do
fortalecimento de laços associativos de trabalhadores detentores de sua própria
produção, objetivo maior dos que procuram uma sociedade emancipada. Um fim do
emprego por meio da precarização absoluta dos trabalhos em um ambiente no qual
não há mais garantias estatais de defesa mÃnima das condições de vida. O Brasil
será um paÃs no qual ninguém conseguirá se aposentar integralmente, ninguém
será contratado, ninguém irá tirar férias. O engraçado é lembrar que a isto
alguns chamam "modernização".
Nunca na história da República o Congresso Nacional
votou uma lei tão contrária aos interesses da maioria do povo brasileiro de
forma tão sorrateira. A terceirização irrestrita aprovada nesta semana cria uma
situação geral de achatamento dos salários e intensificação dos regimes de
trabalho, isto em um horizonte no qual, apenas neste ano, 3,6 milhões de
pessoas voltarão à pobreza.
Estudos sobre o mercado de trabalho demonstram como trabalhadores
terceirizados ganham, em média, 24% menos do que trabalhadores formais, mesmo
trabalhando, em média, três horas a mais do que os últimos. Este é o mundo que
os polÃticos brasileiros desejam a seus eleitores.
Nenhum deputado, ao fazer campanha pela sua própria eleição em 2014,
defendeu reforma parecida. Ninguém prometeu a seus eleitores que os levariam ao
paraÃso da flexibilização absoluta, onde as empresas poderão usar trabalhadores
de forma sazonal, sem nenhuma obrigatoriedade de contratação por até 180 dias.
Ou seja, esta lei é um puro e simples estelionato eleitoral feito só em
condições de sociedade autoritária como a brasileira atual.
Da lei aprovada nesta semana desaparece até mesmo a obrigação da empresa
contratante de trabalho terceirizado fiscalizar se a contratada está cumprindo
obrigações trabalhistas e previdenciárias. Em um paÃs no qual explodem casos de
trabalho escravo, este é um convite aberto à intensificação da espoliação e Ã
insegurança econômica.
Ao menos, ninguém pode dizer que não entendeu a lógica da ação. Em uma
situação na qual a economia brasileira está em queda livre, retirar direitos
trabalhistas e diminuir os salários é usar a crise como chantagem para
fortalecer o patronato e seu processo de acumulação. Isto não tem nada a ver
com ações que visem o crescimento da economia. Como é possÃvel uma economia
crescer se a população está a empobrecer e a limitar seu consumo?
Na verdade, a função desta lei é acabar com a sociedade do emprego. Um
fim do emprego feito não por meio do fortalecimento de laços associativos de
trabalhadores detentores de sua própria produção, objetivo maior dos que
procuram uma sociedade emancipada. Um fim do emprego por meio da precarização
absoluta dos trabalhos em um ambiente no qual não há mais garantias estatais de
defesa mÃnima das condições de vida. O Brasil será um paÃs no qual ninguém
conseguirá se aposentar integralmente, ninguém será contratado, ninguém irá
tirar férias. O engraçado é lembrar que a isto alguns chamam
"modernização".
De fato, há sempre aqueles dispostos à velha identificação com o
agressor. Sempre há uma claque a aplaudir as decisões mais absurdas, ainda mais
quando falamos de uma parcela da classe média que agora flerta abertamente com
o fascismo. Eles dirão que a flexibilização irrestrita aumentará a
competitividade, que as pessoas precisarão ser realmente boas no que fazem, que
os inovadores e competentes terão seu lugar ao sol. Em suma, que tudo ficará
lindo se deixarmos livre a divina mão invisÃvel do mercado.
O detalhe é que, no mundo dessas sumidades, não existe monopólio, não
existe cartel, não existem empresas que constroem monopólios para depois te
fazer consumir carne adulterada e cerveja de milho, não existe concentração de
renda, rentismo, pessoas que nunca precisarão de fato trabalhar por saberem que
receberão herança e patrimônio, aumento da desigualdade. Ou seja, o mundo
destas pessoas é uma peça de ficção sem nenhuma relação com a realidade.
Mas nada seria possÃvel se setores da imprensa não tivesse, de vez,
abandonado toda ideia elementar de jornalismo.
Por exemplo, na semana passada o Brasil foi sacudido por enormes
manifestações contra a reforma da Previdência. Em qualquer paÃs do mundo, não
haveria veÃculo de mÃdia, por mais conservador que fosse, a não dar destaque a
centenas de milhares de pessoas nas ruas contra o governo. A não ser no Brasil,
onde não foram poucos os jornais e televisões que simplesmente agiram como se
nada, absolutamente nada, houvesse acontecido. No que eles repetem uma prática
de que se serviram nos idos de 1984, quando escondiam as mobilizações populares
por Diretas Já!. O que é uma forma muito clara de demonstrar claramente de que
lado sempre estiveram. Certamente, não estão do lado do jornalismo.
(*)
Professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de
São Paulo).