As condições de trabalho insalubres nos bancos e os altos índices
de adoecimento da categoria bancária foram o tema de audiência pública
realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do
Senado Federal, nesta quinta-feira (26).
O debate foi pedido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores
do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) à senadora Augusta Brito (PT/CE). “É muito bom
ter uma mulher senadora conduzindo essa audiência pública. Nos sentimos
representadas. Somos 52% da população brasileira e no parlamento temos uma
presença pequena ainda. Nós esperamos que essa realidade mude e que, de fato,
todos os espaços representem o que é a sociedade brasileira”, afirmou Juvandia
Moreira, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo
Financeiro (Contraf-CUT) e vice-presidenta da CUT Nacional.
A senadora, por sua vez, lamentou o fato de algumas pautas prejudicarem mais as
mulheres. “Ela [a mulher] é sempre julgada, em qualquer espaço que seja, e
percebi que também entre os bancários isso acontece. Como ela se veste, como
pinta o cabelo, se faze a unha, se fala alto, se fala baixo, como se comporta.
Esse julgamento sobre nós, mulheres, e a nossa participação, seja em qual
espaço for, é um fator que adoece, por ser uma grande violência contra nós”.
Augusta Brito disse que o debate foi muito importante para a construção de
ações de combate à violência contra as mulheres dentro das instituições
financeiras. “Assédio moral, assédio sexual acontece também, exatamente por
essa construção do machismo, que obriga à mulher a ter sempre que provar mais
do que o homem, provar que ela pode estar naquele espaço, que ela está ali
porque ela realmente tem capacidade e competência para estar e não porque ela
vai ser uma figura decorativa”.
Para a presidenta da Contraf-CUT, “é importante debater nessa casa
legislativa a situação da saúde do trabalhador e da trabalhadora, mesmo que
olhando para o aspecto de uma categoria. Um debate que nos faça ver o todo e
refletir sobre soluções, políticas públicas e avanços na legislação, nas
próprias relações de trabalho e nas negociações coletivas”, completou.
Juvandia lembrou que os trabalhadores do ramo financeiro têm uma mesa única de
negociação para debater a renovação da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT),
que é complementada por reuniões temáticas para acompanhar a evolução dos
problemas de saúde na categoria. “Nós já avançamos em algumas [dessas reuniões]
e, em muitas outras estamos longe de avançar, principalmente no reconhecimento
do adoecimento mental na categoria. É impossível que seja uma mera coincidência
que a principal causa de afastamento dos bancos seja adoecimento mental”,
apontou. “Não dá para culpar o mundo moderno, como é dito reiteradamente na
mesa [de conversa com os bancos], onde dizem ‘não, o mundo moderno é assim, tem
muita depressão’, mas na categoria temos muito mais casos de adoecimento mental,
em comparação a outras categorias”.
Mauro Salles, secretário de Saúde da Contraf-CUT, destacou a
relevância do tema e a gravidade da situação de adoecimento que passa a
categoria vivencia. “É um tema que não tem a visibilidade necessária, não só na
nossa categoria, mas em toda a sociedade. Acidente de trabalho e doenças
ocupacionais não têm a visibilidade necessária e mata mais do que outras
doenças”, reforçou.
Mauro resgatou uma citação do Papa Francisco que, há algumas semanas, afirmou
que “as tragédias no local de trabalho começam quando o foco não está mais no
homem, mas na produtividade e o homem se transforma numa máquina de produção”.
De acordo com ele, o Papa atribui a culpa dos acidentes de trabalho à procura
excessiva por lucros e à idolatria ao mercado. “A reponsabilidade para com os
trabalhadores é uma prioridade. A vida não pode ser negociada por qualquer
motivo, especialmente se for a vida dos pobres, precários, frágeis. Somos seres
humanos e não máquinas, somos pessoas únicas e não peças sobressalentes”.
O secretário justificou a citação por entender que o Papa resume bem que “o
problema que nós tratamos não são os indivíduos, não é a pandemia, não é um
problema individual do trabalhador. É [um problema] da gestão. A gestão dos
bancos é um verdadeiro mecanismo adoecedor”, arrematou.
Rachel de Araújo Weber, diretora de Políticas Sociais da Federação
Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae),
apresentou uma pesquisa realizada pela entidade e que mostra o agravamento da
situação de saúde dos empregados da Caixa, entre 2018 e 2022.
“Lançamos uma campanha de conscientização do que é assédio, pois a percebemos
que as pessoas nem sabem o que é assédio. Elas não sabem nem o que elas estão
praticando. Porque, muitas vezes, é um processo silencioso, não é uma questão
individual. Geralmente acontece como uma questão cíclica, institucional. É a
forma como os bancos atuam e a forma como a gente aprende como cumprir as metas
e dar aquele lucro necessário. E isso vai passando de cima para baixo”,
explicou.
Maria Maeno, pesquisadora da Fundacentro, disse que “para muitos segmentos
sociais, os bancários podem parecer trabalhadores privilegiados, na comparação
com outros, que enfrentam perigos e insalubridade tradicionais. No entanto,
estudos mostram que os trabalhadores do banco, ao longo dos últimos mais de 30
anos, são vítimas diretas de sistemas econômico-financeiros onipresentes em
nossa sociedade, que também penalizam a maioria dos segmentos sociais”.
A procuradora do Trabalho Cirlene Luiza Zimmermann, representante
da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat), do
Ministério Público do Trabalho (MPT), disse que “a saúde dos trabalhadores
dessa categoria é algo que nos tem preocupado muito, especialmente num cenário
em que o setor é ainda caracterizado com um grau de risco 1, mesmo sendo o
oitavo setor com o maior número de afastamento acidentários pelo INSS”.
Cirlene revelou que os dados de adoecimento do setor estão fortemente
retratados pelo Observatório de Saúde e Segurança do Trabalho, que traz
informações que podem subsidiar políticas públicas em todo o Brasil. “É muito
importante que a gente reforce que esses dados estão à disposição de todas as
pessoas que têm interesse e, principalmente, de todos os gestores que queiram
adotar políticas públicas e no que se a saúde dos trabalhadores. É importante
que essa ferramenta seja difundida e utilizada”.
A auditora-Fiscal do Trabalho Odete Reis, representante do
Ministério do Trabalho e Emprego, disse que, até o ano passado, nunca tinha
visto um programa de saúde e segurança do trabalho que abordasse fatores de
risco psicossociais. “A partir deste ano, a gente começou a ver alguns
programas, mas ainda de forma muito inadequada ou muito superficial, que não
trazem nenhuma mudança”, lamentou. “Por isso, precisamos chamar atenção para o
assédio moral organizacional, que é a forma de gestão adotada pela empresa,
pautada por cobrança de metas abusivas e aspectos que geram adoecimento dos
trabalhadores”.
Para Luciene de Aguiar Dias, coordenadora-geral de Vigilância em Saúde do
Trabalhador do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador,
do Ministério da Saúde, todas as vezes que o trabalho for pauta de discussão, é
muito importante que o Ministério da Saúde e o SUS tenham acento no debate. “A
gente considera o trabalho como um determinante social da saúde”.
Luciene lamentou a falta de eficácia do método de trabalho para o controle de
notificações de doenças dos trabalhadores nos últimos anos. “Para debater a
questão do adoecimento dos trabalhadores do setor bancário, demanda uma
abordagem muito maior do que a abordagem atual. Também é preciso fazer o
reconhecimento de que a saúde no trabalho é um direito humano”, concluiu.