A famosa frase do marqueteiro James Carville que elegeu Bill Clinton — “É a economia, estúpido” — é incapaz de dar conta da crise brasileira.
A perda do grau de investimento que o País sofreu ontem à noite foi muito mais um veredito do mundo sobre nossa ingovernabilidade atual do que propriamente um ‘basta’ ao cenário fiscal preocupante.
As agências de risco, por natureza, pisam em ovos ao fazer suas análises, e tendem a responder aos eventos com muito mais vagar que os mercados. Assim, se a Política estivesse sendo capaz de formular e pactuar as soluções da economia, a S&P muito provavelmente daria mais tempo ao Executivo para encaminhar ao Congresso as medidas necessárias, e para que estas, uma vez aprovadas, surtissem efeito.
Mas no Brasil de hoje, a Política está em córner nos principais polos onde o poder é exercido.
A Presidente não tem capital político para propor os remédios amargos para uma doença que ela mesma ajudou a criar.
O Congresso é uma aglomeração entrópica de agendas pessoais voltadas para a autopreservação e a reeleição — e, claro, buscando sempre arranjar dinheiro para estes nobres objetivos. (Uma fonte com amplo trânsito no Congresso relatou à coluna que, nas últimas semanas, quando perguntava a deputados sobre ‘o ajuste’, ouvia de volta: “Não… o assunto aqui é CPI.”)
Os empresários, da última vez que abriram a boca, adotaram uma postura contemporizadora. Munidos aparentemente das melhores intenções, pediram à sociedade que desse espaço de manobra para o Executivo fazer o que tinha (e ainda tem) que ser feito. Mas com a recente tentativa de inflexão da política econômica — autopsiada por meu colega Cristiano Romero em sua coluna no Valor Econômico de ontem — é provável que os mesmos empresários estejam hoje revendo suas posições sobre o que vale a pena preservar num Governo que, além de ser incapaz de um mero mea culpa sincero e abrangente, nunca terá a convicção intelectual necessária para transitar do ‘free lunch economics’ para uma abordagem ‘you get what you pay for.’
Aliás, a ideia defendida por Nelson Barbosa de que “o ajuste fiscal só é possível com crescimento” lembra a definição de insanidade feita por Einstein: “fazer a mesma coisa repetidas vezes e esperar obter resultados diferentes.”
Já o povo, o quarto polo de poder — segundo a Constituição, aquele “do qual todo o poder emana e em cujo nome será exercido” — está dividido entre a anestesia e a revolta.
Alguns setores da sociedade — a ‘elite branca’ para uns, e ‘os que simplesmente lêem os jornais’ para outros — continuam se mobilizando e indo às ruas, mas com números que ainda não convenceram o mundo político. O debate é se uma popularidade de 7% abre espaço para que se avance sobre um mandato conquistado com 51,64% dos votos.
Mas se os números ainda não convencem, uma coisa parece certa: a S&P vai botar mais gente na rua — nos dois sentidos.
Se até ontem a confiança numa solução política era tão vagabunda quanto um vinho barato, ontem à noite ela se tornou vinagre. O cerceamento do crédito internacional e o ‘writeoff’ do Brasil como um País sério vão aumentar a quebradeira entre as empresas e, infelizmente, fazer o desemprego subir.
Para além das repercussões de hoje no mercado, a perda do grau de investimento também convida a uma reflexão sobre o tipo de sociedade que temos e queremos, como o Ministro Joaquim Levy explicou didaticamente em sua heroica entrevista — pasmem, ao vivo — ao Jornal da Globo ontem à noite. Em vez de se esconder debaixo de uma pedra ou alegar uma gripe, Levy deu a cara à tapa e passou o recado certo.
A frase que resume esta reflexão é: “Temos que escolher o que queremos”. Incentivos à indústria (com juros de mentira), que prevaleceram por anos sem que ninguém se insurgisse contra isso, têm que ser pagos por alguém. Desonerações fiscais — e cada um de nós ganhou a sua — abrem um buraco nas contas ao longo do tempo, e há que se encontrar o dinheiro para tapá-lo. Políticas de ‘conteúdo nacional’ (lindas no palanque e horrorosas na planilha de custos) e gasolina a preço de cachaça custam uma Petrobras quebrada e usinas de etanol de joelhos.
Para além da discussão circunstancial — se o superávit deste ano será menos 0,15% ou mais 0,7% — a escolha colocada por Levy é a discussão que importa, e a única que pode, um dia, nos devolver o status ora perdido.
Por fim, resta lamentar o custo social da perda do grau de investimento, a maior tragédia dessa história toda. Como sempre acontece quando a economia brasileira fica desorganizada — e se você nasceu depois de 1994, você não sabe o que é isso — quem mais sofre não é a tal elite branca (esta que estaria ‘defendendo seus interesses’ ou ‘sendo hipócrita’ ao se manifestar).
Os próximos meses mostrarão que ontem foi uma data simbólica. Foi o dia em que o quarto Governo consecutivo do PT, por seus atos e omissões, tirou de muitos brasileiros a capacidade de pagar a prestação da casa própria, do carro, o cursinho de inglês do filho — mas acima de tudo, o sentimento de dignidade que só existe quando há crescimento econômico, emprego e moeda forte.
Quando James Carville dizia que “é a economia, estúpido,” ele apontava uma verdade fácil de aceitar: as pessoas votam com o bolso, e quanto mais emprego e renda, maior a chance de quem está no Poder continuar nele.