O que se viu nos últimos dias com a trapalhada governamental é o sintoma de uma desafinação. O presidente Bolsonaro se elegeu num momento em que o paÃs se estabilizava após dois anos de Temer; amorfos, mas plácidos (sobretudo se comparados com os tempos atuais). Na época, havia a expectativa de que o ambiente polÃtico era favorável para entoar os acordes das tais reformas estruturantes. A charanga foi montada pensando assim, tendo como crooner o ultraliberal Paulo Guedes. Esse era o cenário.
Era. Em três meses,
como se viu, tudo pode mudar. Bolsonaro e sua equipe destoam do novo quadro. De
fato, eles parecem músicos trajados à fantasia numa festa a rigor. Ou seja, não
combinam. Ou, como diria o outro, não ornam mais. A maior prova desse destom é
o fato de que a dupla Guedes-Bolsonaro achou que podia, sem falar com ninguém,
mandar uma MP trabalhista com aqueles termos macabros, suspendendo contrato de
trabalho por quatro meses, e que, vamos e venhamos, na prática significava uma
demissão com a postergação para pagar os haveres.
E como ninguém quer
assumir a autoria do fabordão, não tardou que Bolsonaro colocasse a culpa em
Guedes pelo teor da MP, como se ele próprio fosse um inimputável que assina sem
ler (o que, pelo visto, é o que acontece). Mas o fato é esse: ambos foram
chamados a tocar tango, e agora o público pede para tocar Raul. Como possuem
repertório pobre, vão gaiteando qualquer coisa. Ao final, salvaram-se todos,
menos o arremedo de crooner, que já está com data de validade vencida e, ao
contrário do maestro, não recebeu nenhum voto sequer para ocupar a investidura.
O que a sociedade
precisa agora são de medidas voltadas para a saúde. E não é ficar se jactando
de que está fazendo isso ou aquilo, quando já se sabe que o muito que vier a
ser feito não será suficiente. O que se faz necessário, presidente, é
compartilhar decisões e escolhas. É preciso chamar os setores organizados da
sociedade para que decidam junto. Esse tom de vaticÃnio, agourando a todos que
a economia será prejudicada, pode dar - e deve - dar razão ao presidente no
futuro. Mas junto com a razão, ele vai ganhar o ódio de todos aqueles que terão
um ente querido morto ou que passou por agruras. Não é preciso uma bola de
cristal para prever a crise econômica que se avizinha. Para ficar lembrando
isso, ninguém precisa de um presidente da República.
Fonte: Editorial Migalhas