Santa Cruz do Capibaribe (PE) e Toritama (PE) - Os
municípios se orgulham de terem o DNA do empreendedorismo e segue à risca o
mantra do governo de “menos direitos,
mais empregos”.
Na verdade, até radicalizou esse slogan,
que poderia muito bem ser “nenhum direito, pleno emprego”. Paulo Guedes faria
bem em dar um pulinho lá para ver os efeitos práticos (e colaterais) da revolução na
legislação trabalhista que defende.
Todos os dias, milhares de moradores das
cidades que orbitam Santa Cruz se dedicam à confecção em fabriquetas de fundo
de quintal, muitas vezes em suas próprias casas. Elas são chamadas localmente
de “facções”.
Com duas ou três máquinas ao custo médio de
R$ 3.000 uma nova (metade se for uma usada em bom estado), já podem produzir.
Algumas “facções” se dedicam a cortar tecido; outras, à costura, ao tingimento
ou ao aprontamento (colocação de zíperes e bolsos), numa linha de montagem que
realmente relembra os primórdios da industrialização na Inglaterra do século 18.
Algumas dessas fabriquetas são basicamente
núcleos familiares, com marido e mulher trabalhando em casa por encomenda.
Outras têm até 20 funcionários, todos em jornadas
de até 14 horas por dia, sem registro em carteira. Também não há
recolhimento de impostos (o argumento é que o imposto já foi pago na compra do
tecido).
Como me disse o dono de uma dessas pequenas
fábricas, “se a fiscalização aparecer por aqui, fecha a cidade toda”.
Como fazem uma atividade específica na
linha de montagem, há um ganho de eficiência, e uma “facção” pode gerar até 400
peças por semana. Pela costura de uma calça jeans, por exemplo, ganha-se de R$
1 a R$ 1,20, pago pelo contratante do serviço.
Na cidade de Toritama, vizinha a Santa
Cruz, a especialidade são as peças de jeans. Numa rua sem asfalto, um portão
preto de correr se abre e revela um casebre com parede de blocos no fundo de um
pátio. Lá moram Gilvan Fernandes, 36, e a mulher, Lucineide da Silva, com duas
filhas de 4 e 14 anos.
No cômodo de entrada, eles têm sua
“facção”, com sete máquinas de costura. Chegam a produzir 400 calças por
semana. O trabalho começa às 8h e costuma passar das 22h.
Mas esse capitalismo todo cobra um preço, e
nem todos aguentam a sobrecarga de trabalho. Danielle Rodrigues, 30, trabalhou
durante nove anos numa confecção, em jornadas de até 14 horas por dia. “O
dinheiro é bom, mas você acaba se tornando escravo da máquina”, diz ela.
Decidiu sair, fez faculdade de
administração e hoje é secretária na prefeitura de Toritama, com horário para
entrar e sair e carteira de trabalho assinada. “Não tenho saudade daquela
vida", afirma.