Para
associação de juízes do Trabalho, sugestão de Bolsonaro de acabar com a Justiça
Trabalhista mostra equívocos e "oculta gravíssimo abalo no sistema de
freios e contrapesos sobre o qual se assentam as fundações republicanas"
A ideia do presidente Jair Bolsonaro
(PSL) de extinguir a Justiça do Trabalho, além de equivocada e
inócua do ponto de vista prático, causaria um "abalo" republicano, na
visão do presidente da Anamatra, a associação nacional dos magistrados,
Guilherme Feliciano. "Há um claro equívoco na relação entre causa e
consequência, em que se busca culpar a janela pela paisagem", diz ele em
nota divulgada na sexta-feira 4.
"No que toca à gestão
pública, se o problema que o presidente da República identifica é o de uma
legislação trabalhista excessivamente protecionista, a gerar mais litígios
trabalhistas do que os necessários – tese a se discutir com profundidade junto
à sociedade civil e ao Parlamento brasileiro –, a proposta de suprimir a
jurisdição trabalhista especializada simplesmente não condiz com o diagnóstico
feito", observa Feliciano, lembrando que os juízes do Trabalho têm
competência constitucional para apreciar os litígios que chegam até eles.
"Transferir essa
competência para a Justiça comum, absolutamente, não muda este quadro", argumenta.
"A litigiosidade trabalhista continuará rigorosamente a mesma, sob o manto
da mesma legislação trabalhista e com os mesmos obstáculos no campo
econômico."
Já sob o aspecto jurídico, o
presidente da Anamatra lembra que esse ramo do Judiciário está previsto no
artigo 92 da Constituição, o mesmo que inclui o Supremo Tribunal Federal.
"A se admitir que o presidente da República ou qualquer parlamentar, por
sua livre iniciativa e sem discutir a questão com o presidente do Supremo
Tribunal Federal, possa enviar ao Congresso Nacional uma proposta de extinção
da Justiça do Trabalho, suprimindo os correspondentes incisos do art. 92 da
Constituição, poder-se-ia admitir também o absurdo de poderem apresentar e
aprovar emenda constitucional que suprima o próprio Supremo Tribunal
Federal."
Esses argumentos demonstram,
acrescenta Feliciano, que a proposta de Bolsonaro "oculta gravíssimo abalo
no sistema de freios e contrapesos sobre o qual se assentam as fundações
republicanas". Ele observa que qualquer iniciativa para alterar a
estrutura constitucional do Poder Judiciário "compete originária e
privativamente" ao STF.
O presidente da associação
conclui afirmando que a magistratura está aberta ao "diálogo
democrático" em busca de alternativas construídas coletivamente, e diz que
"nenhum açodamento será bem-vindo".